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Historiador Iran Roedel. |
Antes de abordarmos a questão
das manifestações políticas que sacudiram o Brasil a partir de junho de 2013,
cabem algumas questões preliminares, como: qual o perfil político dos
brasileiros, qual a condição de hegemonia1 das classes dominantes,
e, por fim, qual a conjuntura política das manifestações. Essas são questões
que fazem parte da reflexão, pois permitem a articulação com elementos mais
amplos e que, por isso, possibilitam situarmos o objeto de nossa análise de modo
a desvelar suas relações com um universo mais complexo.
Desse modo, o ponto inicial
destacado, o perfil político dos brasileiros, ao mesmo tempo em que nos remete
para o processo histórico do país, nos impõe a sua articulação com a condição
de hegemonia das classes dominantes. Não obstante, a abordagem em separado
obedece unicamente ao critério didático da reflexão.
Dada essa explicação preliminar,
passemos aos elementos que integram, de forma global, a nossa reflexão.
O perfil político dos
brasileiros
A primeira pergunta a ser feita
nessa questão é: o que compõe o perfil político dos brasileiros? Ou
melhor, o que define o perfil político dos brasileiros? Para respondê-la, como
foi apontado acima, recorreremos ao processo histórico. Nesse sentido, o corte
temporal escolhido é a partir dos anos 30 do século XX, por corresponder à
conjuntura de aprofundamento das tensões e das transformações estruturais que
forjaram, no Brasil, a sociedade urbano/industrial. Desse modo, pode-se
observar o aspecto da lógica de revolução passiva2 que orientou a
referida conjuntura.
As transformações estruturais
ocorridas, a partir da década de 1930, obviamente não tiveram seu início nesse
momento, mas são decorrência de um processo que estava em andamento há pelo
menos 70 anos. O que ocorre na conjuntura dos anos 30 é a emergência de fatores
e tensões que proporcionam a ruptura de parte da ordem estabelecida e, com
isso, o rearranjo das forças político-econômicas no país em que a nova ordem
incorpora traços da antiga que passa a ser superada gradualmente.
Dentre esses fatores e tensões,
podemos destacar a conjuntura do pós 1ª Guerra que desemboca na Crise de
1929, ocasionando a retração do mercado internacional e o impacto econômico
sobre a classe agroexportadora, resultando na fragilização política das
tradicionais oligarquias rurais. Essa conjuntura permite o rearranjo das forças
políticas, abrindo espaço para a classe empresarial urbana iniciar seu processo
de protagonismo no cenário político nacional.
Porém, a sua sustentação nessa
posição não ocorre sob a forma de ruptura, ou de uma revolução clássica, mas de
conciliação entre as diversas forças envolvidas, o que não quer dizer que
signifique um processo pacífico. Ou seja, esse empresariado urbano não
substitui integralmente a classe de proprietários rurais do poder, mas sim
reordena as posições no controle do Estado. É um processo que corresponde a uma
ocupação de espaço gradual que levará, até assumir a condição de força política
plena nesse controle, em torno de 30 a 40 anos.
Esse “cabo de guerra” que a
classe empresarial urbana trava com a classe de proprietários rurais pelo
controle do Estado somente lhe é favorável quando dois outros aspectos são
postos na mesa: a urbanização e a expansão das classes médias. O primeiro é o
fator impulsionador do segundo que se beneficia quanto mais complexa se torna a
sociedade brasileira em decorrência do avanço das relações capitalistas no
país.
Pode-se entender, então, que a
sociedade urbano/industrial com seu desenvolvimento material, com seu bem-estar
e conforto, atua como polo de atração ideológica3 e econômica para
essas classes médias. Nesse aspecto, ela é revolucionária ao permitir, com sua
adesão à visão de mundo do empresariado urbano, a ruptura gradual da ordem da
classe de proprietários rurais. Entretanto, ela se assume como conservadora,
sob o ponto de vista da classe trabalhadora, ao defender, pela perspectiva de
seus interesses corporativos e de seus privilégios, a ordem de uma formação
social liderada pelo empresariado urbano.
O apego ao individualismo
favorecido por seu grau de escolaridade, de suas relações interpessoais, de
suas origens familiares que possibilitam e sustentam seus privilégios
individuais, constitui a linha de conduta política dessas classes médias, pois
esses aspectos compõem seu capital social. Um capital a serviço do indivíduo e
amplamente utilizado e valorizado, na estrutura de poder, pela classe
empresarial.
Mas cabe destacar, que esse
processo de transformação, pelo qual passava o Brasil, corresponde à conjuntura
de deslocamento do eixo dinâmico do capitalismo mundial. Ou seja, a Europa
ocidental, após a 2ª Guerra, perde sua posição de liderança econômica e sua
condição de hegemonia no mundo para a nova potência que emergia: os EUA. Sob
esse novo cenário, as tensões e relações internacionais passam a se submeter à
hegemonia norte-americana. Por outro lado, a existência da URSS, e sua
afirmação como potência também a partir dessa conjuntura, levou o mundo ao
contexto da bipolarização, o que implicava no acirramento da luta ideológica.
No lado ocidental vive-se a
expansão da sociedade de massa em que a cultura também passa a se orientar
pelos paradigmas da mercadoria. O acirramento ideológico mundial fruto da
bipolarização, caracterizado como Guerra Fria, implica no confronto de
concepções de mundo. Trata-se, para uns, da disputa entre metadiscursos, ou
discursos totalizantes, ou, ainda, de visões de mundo. Mas o que é evidente, é
que são disputas por projetos de sociedade de caráter nacional.
Essa questão se torna importante
de ser apontada, mesmo que de forma superficial, pois de um modo geral impactam
no perfil político do brasileiro. A bipolarização e a hegemonia ocidental pelos
EUA impõem um padrão de comportamento político das classes sociais no Brasil.
Diante disso, o conjunto de
classes em aliança no Brasil que assumem a condição de direção econômica,
política e cultural, ou seja, assumem a hegemonia, se define pelo perfil
conservador que se expressa em todos os níveis. A relevância da visão de mundo,
difundida pelos padrões norte-americanos no Ocidente, define o modelo de
desenvolvimento econômico brasileiro, que a partir dos anos 50 se orienta pela
substituição de importações. Ao possibilitar a aceleração e a expansão
industrial fortalece os empresários desse setor, além de oferecer às classes
médias o privilégio do consumismo. Mas os principais pilares das alianças de
classe são definidos entre os grandes proprietários rurais e o empresariado
urbano, ocupando este último a condição de hegemonia após 1964.
As classes médias participam
desse bloco de alianças em condições periféricas, porém como beneficiárias
do bem-estar gerado pelo processo de crescimento industrial e de ampliação do
consumo de bens, em especial a partir da década de 1970. Mas não se pode
esquecer, ainda, que a ampliação da máquina estatal como impulsionadora desse
processo, o que ocorre desde os anos 30, incentivou a sua fração de classe
vinculada ao aparelho burocrático.
Mas e as classes populares, como
ficam nesse cenário? Essas permaneceram alijadas do processo político decisório
do país tendo em vista a existência de mecanismos de cerceamento de
participação, cujo sistema eleitoral, antes de 1930, é um dos exemplos. Após a
implantação de partidos nacionais nos anos 40 e a afirmação da democracia
representativa de massa a partir dos anos 80, a situação dessas classes não se
altera, pois suas participações no jogo político não ultrapassam os limites da
legitimação dos pleitos.
A centralização política
iniciada a partir dos anos 30 atua como ferramenta garantidora do status
quo, o que incentiva a expansão da fração das classes médias ligada intimamente
à estrutura burocrática estatal. Por outro lado, o modelo de desenvolvimento
industrial conservador do pós-30, e aprofundado no pós-64, atua como fator
impulsionador do êxodo rural (SANTOS et al, 2003). Esse movimento
incorpora a massa de migrantes que acorre para os centros urbanos, juntamente
com as classes populares dos grandes centros, ao jogo político eleitoral,
principalmente após a constituição de 1988.
É sempre bom lembrar que o êxodo
rural é fator incentivador da explosão demográfica nos principais centros
urbanos do país. Mais ainda. É igualmente responsável pela proliferação das
favelas nas áreas metropolitanas associado à falta de políticas sociais de
melhoria das condições de vida desses migrantes e das classes populares como um
todo. Isto é, as favelas são fruto dos baixos padrões de remuneração, de
higiene e de instrução dessa massa populacional (GUIMARÃES, 2008).
Tanto as favelas quanto as
demais áreas proletarizadas, as periferias, como hoje em dia são denominadas,
se constituíram em regiões dominadas pelo mandonismo de chefes políticos, de
grupos paramilitares e/ou do tráfico. São áreas cuja população, pelo ponto de
vista conservador hegemônico, deve ser mantida pelo rígido controle coercitivo,
pois são entendidas como classes perigosas (GUIMARÃES, 2008).
Nesse cenário, as classes
populares foram mantidas à margem do poder decisório do Estado, apesar de
participarem do jogo eleitoral. A precariedade no atendimento de suas demandas,
mais que um puro e simples descaso com problemas vividos por essas classes, se
constitui em uma prática do modelo das relações de poder que sustentam o
conjunto das relações sociais predominantes na estrutura da formação social
brasileira.
Desse modo, diante da
predominância do senso comum4 das classes populares, sua
participação política se encontra subordinada por elementos externos. Ou seja,
a solução de suas questões não é posta pela capacidade de suas articulações,
mas pela “proteção” política que permite a afirmação do mandonismo.
O quadro sociopolítico
apresentado nos permite, desse modo, observar a relação entre o desenvolvimento
da estrutura socioeconômica e o modo de pensar hegemônico do brasileiro. Neste,
as classes médias caminharam junto com as classes economicamente dominantes,
mesmo que isso significasse uma posição periférica. É esse perfil que define o
caráter conservador, e não popular, da modernização no país. Definido isto,
podemos traçar a condição de hegemonia das classes dominantes.
A condição de hegemonia
das classes dominantes
Iniciemos este
item lembrando o que entendemos por hegemonia. Utilizamos, nesse sentido,
o conceito gramsciano que define como sendo a condição de direção ético/moral
da sociedade (GRAMSCI, 1995). Uma condição que transcende a direção política,
mas a submete à sociedade civil. Sendo assim, a condição de dominação econômica
estabelece uma relação orgânica, atuando e definindo a forma de compreensão da
realidade e oferecendo as ferramentas teóricas para perceber e interferir sobre
esta.
Desse modo, a classe que detém a
hegemonia organiza a cultura orientando-a de acordo com a sua visão de mundo,
mas não sem conflitos e contradições. Como característica, essa organização se
faz a partir, prioritariamente, pela persuasão através dos diversos aparelhos
privados de hegemonia, o que não significa a impossibilidade de se utilizar a
coerção como ferramenta. Este recurso será acionado sempre que necessário.
A classe empresarial urbana
brasileira, ou seja, a classe capitalista se define como classe hegemônica
pós-64, o que não quer dizer que a estrutura das alianças de classe tenha se
alterado. O que ocorreu foi que a visão de mundo da classe capitalista assumiu
a condição de direção ético-moral na sociedade, subordinando, com isso, os
traços ideológicos das demais classes.
É importante destacar que a
visão de mundo desse empresariado urbano, até os anos 80, encontrava-se
arraigado à discussão de projeto de sociedade nacional. Essa foi a tônica,
inclusive, que pautou tanto o II PND5 de meados dos anos 70 que
definiu estratégias para o desenvolvimento econômico e fortalecimento do
capitalismo no país (LESSA, 1998), quanto à formação intelectual com a
implantação, por exemplo, de políticas e reformas do ensino até os anos 80.
A partir do regime instaurado em
1964, as relações capitalista se expandem de forma avassaladora para o meio
rural alterando gradativamente o perfil do latifúndio e da mentalidade dos
grandes proprietários que passam, cada vez mais, a se comportarem como
empresários. O lado perverso desse processo, que corresponde ao desenvolvimento
das forças produtivas no campo, se manifesta pelo acirramento do êxodo rural e
o aumento da tensão em prol da luta pela reforma agrária. Esse é o momento em
que o aparato coercitivo jurídico e policial atuam de maneira a submeter as
forças contrárias e abafar a luta de classes.
Se até a década de 1980 os
metadiscursos em disputa têm na questão nacional e, para alguns com corte de
classe, seu polo central, nas décadas seguintes o centro passa a ser outro. O
debate totalizante de projeto de sociedade, com ou sem corte de classe, cede
espaço para a lógica discursiva fragmentária em que no campo político-econômico
se manifesta na defesa do neoliberalismo, enquanto que no campo
sócio-filosófico vão se definir como pós-moderno ou o que seria, para outros, o
próprio fim da história.
Considerando que houve um
deslocamento do debate de sociedade para o de mercado, viabilizado pelo fim do
contraponto da URSS nos anos 90 e o consequente desmonte do bloco do socialismo
real, o discurso da pós-modernidade, que rompe com a totalidade apostando na
fragmentação da realidade, passou a ser o mote. Defendeu-se a impossibilidade
de sustentação e afirmação de metadiscurso político e/ou econômico, de projetos
revolucionários que abarcassem e articulassem, portanto, o conjunto da
sociedade. Passou-se a afirmar que nesta somente se pode intervir de modo
pontual, não mais de forma global como fora a visão até o século XX.
O desenvolvimento das forças
produtivas, em especial na tecnologia de comunicação, era apontado como um
grande exemplo dessa nova realidade. A possibilidade de se radicalizar o
individualismo, bem como de se fragmentar a realidade com o aumento e
instantaneidade do fluxo de informação teria possibilitado a democratização da
informação, mas paradoxalmente, como destaca Eduardo Galeano: “estamos
informados de tudo, mas não sabemos de nada” (GALEANO, 2009).
Nesse sentido, o cenário que se
ergue e se consolida a partir dos anos 90 concilia três aspectos fundamentais
para a afirmação da hegemonia da classe capitalista no Brasil: o
neoliberalismo, a globalização e o discurso pós-moderno. O neoliberalismo, com
sua defesa intransigente do Estado mínimo e da regulação da vida em sociedade
pelas leis de mercado, constrói o campo favorável para a financeirização das
relações sociais. É um discurso e uma prática que une o aspecto político com o
econômico articulado diretamente com o desenvolvimento das forças produtivas
que passou a ser designado de globalização.
Esta se caracterizaria, segundo
seus defensores, pela quebra da verticalização das relações internacionais e a
construção de relações horizontais. Chegaram mesmo a afirmar que teria acabado
o imperialismo, pois com esse novo tipo de relação, cuja tecnologia de
comunicação era seu principal viabilizador, o capital deixara de ter sua matriz
definida geograficamente. Entretanto, para que todos pudessem se beneficiar
dessas condições “democráticas”, seria necessário a implementação das reformas
políticas fundamentais, abrindo espaço para o setor privado em detrimento do
Estado, o que significa dizer que se deveria derrubar barreiras de proteção dos
mercados nacionais.
Enquanto esse debate político e
econômico se difundia submetendo as relações nacionais e internacionais à
lógica do mercado e da livre concorrência, ao mesmo tempo os indivíduos eram
envolvidos pelo “canto da sereia” que estandardizava a vida em sociedade. As
novas possibilidades que se abriam permitiriam a todos se desvencilhar, também,
das amarradas das relações trabalhistas que impediam a democratização das
oportunidades ofertadas pelo mercado globalizado. Era necessário, portanto, que
reformas trabalhistas ocorressem para libertar as forças do empreendedorismo.
O processo de aumento da
concentração de riquezas e a monopolização da economia gerada pelo
neoliberalismo e a globalização, ambos apenas mais uma vertente do capitalismo,
por sua vez era abafado pelo discurso pós-moderno. Este completa o conjunto de
argumentações, fosse com o de sociedade do conhecimento, fosse com sociedade
pós-industrial ou qualquer outro conceito que fundamentasse o individualismo, a
relativização e a fragmentação da realidade próprios dessa matriz teórica.
Afirmava-se ainda, com essa lógica, que estava decretado o fim da centralidade
do trabalho e que, por isso, os laços de relação e solidariedade de classes
estavam esgarçados e haviam perdido o sentido de existência. Esse
discurso “caiu como uma luva” para as classes médias.
É nessa conjuntura, portanto,
que se estabelece a hegemonia da classe capitalista, no Brasil. Ou seja, com a
afirmação dos preceitos neoliberais, com a ideia de globalização vinculada a de
democracia pautada pelo consumo, mais a popularização da lógica pós-moderna de
fragmentação da realidade, bem como a relativização da política.
Se por um lado essa conjuntura
encanta as classes médias pelo incentivo ao consumismo, pelo individualismo e
pela radical impossibilidade de ruptura que colocaria em risco seu patrimônio
material e seu status quo, por outro afetou fortemente sua fração de classe
vinculada ao aparelho burocrático do Estado. Esta fração se viu gradativamente
deslocada politicamente, pela queda de seu poder aquisitivo e de suas condições
materiais, para as proximidades das classes populares, fragilizando, com isso,
sua capacidade de interferência no processo decisório do Estado.
Ou seja, as classes médias, ao
serem fracionadas em suas condições econômicas, também se dividem em suas
posições políticas frente à conjuntura. É esse jogo de fragmentação que põe
essas classes no centro nervoso contemporâneo político, porém as coloca de
forma dúbia tendo em vista seu perfil ideológico.
A redefinição de seu papel
no conjunto das alianças de classes que se reorganiza ao longo dos anos 90
e 2000, em decorrência da fragilização de sua fração ligada ao aparato
burocrático, apresenta para as classes médias um caminho que tende a se
bifurcar. Enquanto esta fração, por suas condições econômicas, tem no caminho
de proximidade com as classes populares uma possibilidade, ao seu outro
segmento o caminho que se aponta é o de fortalecimento das alianças de
sustentação do capitalismo.
Nessa conjuntura, é bom que
se observe, que o campo político se vê igualmente dominado, tal qual o
campo econômico, pela lógica do empreendedorismo. Com isso, a política passa a
ser encarada como questão de gestão e, portanto, abre espaço para formas de
práticas políticas definidas a partir da afirmação do profissional/gestor da
política que foca seu desempenho na adequação das relações sociais à
globalização. O mercado se torna a ser a arena onde a política é feita, mas
como destaca Milton Santos “... esse mercado global não existe como ator, mas
como uma ideologia, um símbolo” (SANTOS, 2000, p. 67).
Os grandes projetos de
sociedade, os metadiscursos políticos, as possibilidades de rupturas, com esse
cenário, estão todos excluídos diante dessa lógica empreendedora.
Definem-se os partidos como agências de negócios dos interesses das grandes
empresas e os políticos como despachantes dessas. Deixa-se de ter espaço para o
debate ideológico, o que é avalizado pelo conjunto de classes que compõe o
bloco hegemônico e disseminado amplamente pela sociedade, em que as classes
médias têm papel significativo como formadoras de opinião junto às classes
populares.
Logo, a hegemonia do regime do
capital, nesses vinte anos, foi construída em um cenário de fragmentação da
percepção da realidade. Este tem como pilares o neoliberalismo, a globalização
e o discurso pós-moderno. É nesse sentido que a classe dos capitalistas afirma
sua condição de classe hegemônica no Brasil. Ao mesmo tempo, fortalece a
condição de monopolização da economia e, igualmente, desloca parte da fração
das classes médias, vinculadas ao aparelho burocrático do Estado, para a
proximidade das condições materiais das classes populares. Aí se encontra o
centro nervoso das retomadas das mobilizações de rua que eclodiram a partir de
junho de 2013.
O cenário das
manifestações
As mobilizações de rua que
eclodiram em junho/2013 trazem consigo uma aparente radicalidade. As forças
políticas envolvidas não se manifestam a partir de um objetivo em comum, mas em
uma pluralidade de reivindicações. A falta desse objetivo demonstra, de certa
forma, a fragmentação de pontos de vista sobre a realidade que se encontram
vinculados aos interesses das classes envolvidas. Ou seja, a fragmentação da
percepção sobre o conjunto da realidade tem imposto, igualmente, a fragmentação
nas propostas políticas que são apresentadas como necessidades de intervenções
pontuais. No que se refere à repulsa aos partidos políticos, esta é a expressão
do entendimento de que, para muitos, a questão é de gestão e, por isso, estes
estariam superados.
Nesse momento, cabem duas
observações iniciais: 1) por que as classes médias vão às ruas?; 2) por
que os sindicatos e partidos políticos são hostilizados? Evidente é que não
seria apenas contra o aumento das passagens de ônibus, apesar da péssima
qualidade do serviço que essas empresas prestam principalmente em todas as
grandes e médias cidades do país.
No que tange às classes médias,
a reordenação de sua posição e condição no bloco de alianças de classes
hegemônico, tendo sido estas levadas ao conflito de interesses interno, levou
suas frações a posições opostas. Por outro lado, a hostilidade aos partidos de
esquerda, e seu enquadramento no mesmo perfil dos “partidos empreendedores”,
demonstrou a superficialidade de análise. É bom lembrar que a maior parte da
esquerda é composta, justamente, por integrantes das classes médias, o que não
quer dizer que essas classes sejam de esquerda. Sobre essa questão, cabe
lembrar o papel desempenhado por elas ao longo do processo histórico do país,
bem como de seu perfil ideológico.
As revoltas manifestas de várias
maneiras, inclusive com agressões a militantes de esquerda e/ou depredações de
prédios públicos ou de símbolos do capital, não ultrapassaram os limites da
apreensão da realidade de forma fragmentada e do caráter de rebeldia. Essas
ações não abalaram, sequer, as estruturas da ordem do regime do capital e o
perfil de suas relações de poder.
Isto é, não ousaram ou não foram
capazes, pelo menos ainda, de produzir um projeto alternativo de sociedade
contra a qual se manifestam. Afinal, até agora a personalização do “inimigo”
apenas tem atingido os despachantes do empresariado. Uma tática que não conseguiu
atingir o cerne da questão: as relações capitalistas. Mais uma vez cabe a
pergunta: mas por quê?
Considerar o rearranjo das
forças políticas das classes médias na construção e afirmação da hegemonia da
classe capitalista no Brasil pode ser, nesse caso, um caminho de explicação. A
perda de força de parte do capital social das classes médias, nesse processo,
esvazia o poder significativo das relações interpessoais e de suas origens
familiares, deslocando seu poder para o campo estritamente econômico/profissional,
apesar de que em alguns casos se mantém, ainda, o poder da formação
intelectual.
Nesse sentido, os conflitos
assumem, no primeiro momento, um perfil genérico, mas de forte cunho ideológico
fascista, ao lançar nas manifestações o slogan do “sem partido” e das
agressões aos militantes de esquerda. Conforme avançavam os protestos,
outros slogans de cunho moralistas e personalizados, como: “Abaixo a
corrupção”, “Fora Dilma”, “Fora Cabral” “Fora Alckmin” ganharam igualmente as
ruas. Esse tipo de comportamento político demonstra: 1) a compreensão
superficial da política no momento de sua personalização; 2) o entendimento do
campo político como espaço de gestão. Em ambos os casos, as classes médias não
buscam romper a ordem institucional e construir um projeto alternativo.
Defendem, com essa prática, que a questão é de gestão e, por isso, evocam
taisslogans, associando os problemas sociais à má gestão, à incompetência, à
corrupção etc.
As classes médias, mesmo suas
frações mais radicalizadas, não evidenciam disposição de romper com o
atual formato do bloco de alianças de classes hegemônico e construir um caminho
alternativo. Este caminho, caso fosse a opção a esse bloco hegemônico,
implicaria em reorientar suas alianças se aproximando politicamente das demandas
das classes populares, o que não demonstra ainda ser o desejado.
Mas foi posta outra questão na
mesa: por que os sindicatos e partidos políticos são hostilizados?
De certa forma, a questão
relativa aos partidos políticos já foi abordada. Nesse caso, tratemos da
questão relativa à hostilidade aos sindicatos.
Tendo em consideração um dos
pilares do discurso pós-moderno entrelaçado com o da globalização, a superação
da sociedade industrial, a argumentação passa a ser a de que se vive sob os
auspícios da sociedade do conhecimento e da informação. Por essa lógica, o
trabalho perdera a centralidade no mundo da produção. Somado a isso, se funde
ao cenário o discurso da financeirização e da judicialização das relações de
trabalho.
O esvaziamento político dos
sindicatos, a partir dos anos 2000, foi sintomático. Estes se transformaram em
verdadeiras bancas de advogados alijando a luta ideológica e se subjugando à
hegemonia da classe capitalista.
O embate da contradição entre
capital e trabalho se desloca para a questão técnica do direito, o que passa a
exigir maior articulação institucional no Estado por parte do movimento
sindical. O distanciamento político dessas organizações da disputa
político-ideológica dos trabalhadores imprimiu, e não por acaso, tanto o
descrédito quanto a acomodação das categorias profissionais.
Nessa conjuntura, o movimento
sindical perde em muito sua representatividade. Distante da luta ideológica,
ele abriu espaço para os trabalhadores serem ganhos para a visão de mundo
capitalista, o que significa dizer que esse movimento capitulou frente ao poder
hegemônico da classe empresarial, se não todo ao menos a maior parte. Ou seja,
perdeu a capacidade de estabelecer a luta contra-hegemônica para atuar dentro
da ordem imposta pelo regime do capital.
Caso semelhante ocorre com o
próprio Partido dos Trabalhadores. O PT, que se construiu a partir de
movimentos populares e de manifestações de rua, abandonou radicalmente essa
prática com a chegada de Lula à presidência, transformando o movimento sindical
em correia de transmissão do governo de conciliação de classes por ele
dirigido. Nesse aspecto, essa prática reforça a tendência política instaurada
no sindicalismo que inibe a luta contra-hegemônica.
Apenas para ilustrar, não é
diferente o que ocorre, por exemplo, com o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) diante do avanço desenfreado do agronegócio. A aproximação e
dependência econômica desse Movimento para com o Governo Federal têm levado ao
enfraquecimento da luta pela reforma agrária. A conciliação de classes permitiu
o MST e os empresários do agronegócio fazerem, paradoxalmente, parte da mesma
base social do governo e do mesmo projeto político. Essa postura levou, tal
qual ocorre com os trabalhadores urbanos, à acomodação e desmobilização dos
trabalhadores rurais.
O que se falar, então, da União
Nacional dos Estudantes (UNE)? Diante das lutas internas de diversos grupos e
tendências políticas pela disputa do controle da máquina burocrática da
entidade, levou o seu distanciamento dos grandes temas referentes à educação.
Diante de uma UNE deslocada da
macropolítica e da maioria dos estudantes em busca de uma formação somente com
o viés profissional, a entidade tem ficado à margem do debate político relativo
à reestruturação do ensino superior no país. A radicalidade dessa
reestruturação se mostra pertinente quando a lógica da educação passa a ser a
formação para o mercado, a formação de empreendedores, se pondo longe da
preocupação com a formação intelectual crítica.
O posicionamento da UNE nos
limites impostos pela conciliação de classes, permite a livre pressão
empresarial no que diz respeito a anular qualquer oposição a essa lógica. Um
posicionamento que tem levado a entidade ao descrédito e à incapacidade de
mobilização.
Nesse sentido, o cenário em que
emergem as manifestações é o de uma forma política de afirmação do
individualismo e da competição de mercado. Um cenário que resulta da condição
de hegemonia desses três pilares estruturadores da conjuntura dos últimos vinte
anos: neoliberalismo, pós-modernidade e globalização.
Entretanto, no início do ano de
2012 e conquistando grande apoio da população do Rio de Janeiro, policiais
civis e militares e bombeiros decidiram entrar em greve. No último semestre
desse mesmo ano, os docentes das universidades federais, uma fração
intelectualizada das classes médias, entraram também em greve. No mesmo
semestre, os médicos federais paralisaram. Era a demonstração de que as frações
dessa classe ligadas ao aparelho burocrático se encontravam insatisfeitas.
Mas fica uma questão: esses
movimentos grevistas propiciaram um questionamento ao modelo societário? Não!
No que diz respeito aos médicos, basta observar o posicionamento frontalmente
contrário, chegando mesmo a assumirem posturas ideológicas racistas e
reacionárias, de algumas de suas entidades representativas em relação ao
programa “Mais Médico”, do Governo Federal.
Sendo assim, podemos afirmar que
as greves ficaram limitadas aos interesses corporativos, porém significando um
avanço político, pois expressaram a retomada do ânimo de mobilização à margem
do individualismo e da competitividade. Nesse caso, havia um clima favorável às
mobilizações.
Nesse clima favorável, os
protestos transcenderam a questão do trabalho, ampliando-se para demandas
sociais. A massa de manifestantes reivindicava melhoria nos serviços públicos,
sendo mobilizados, em grande parte, pelas redes sociais e amplamente divulgado
pela grande mídia. Esse último fator tem de ser levado em consideração. Qual o
interesse dessas empresas midiáticas na difusão e incentivo às manifestações?
Apenas para relembrar, a mídia
é entendida como um aparelho privado de hegemonia. Sob esse aspecto, sua
estratégia de persuasão oferece as ferramentas, seletivamente, para que o
conjunto da sociedade tome consciência da realidade e, dessa forma, possa intervir.
Uma dada consciência orientada e, portanto, uma intervenção pautada pela visão
de mundo daqueles que controlam esses aparelhos de hegemonia.
Óbvio está, por esse motivo, que
há o interesse político da disputa intraoligárquica. Diante disso, a
publicização desses eventos servia a dois objetivos discursivos: o de atrair
mais manifestantes, e, o outro, de desfocar seu aspecto político e
caracterizá-lo como mera baderna. E sendo assim, o mote discursivo midiático
seria a da má gestão que se alastrava pelo país, considerando as manifestações
também como “vandalismo”.
Não é de se estranhar,
somente para elucidar a cobertura das manifestações, que o jornal O Globo, no
dia 18/08/2013, tem como manchete de primeira página “O Brasil nas ruas”. No
dia 21 de junho a chamada de capa, no mesmo jornal, era: “Sem controle”.
Nesse caso, o foco privilegiado
é a estética política do black bloc, enquanto que a midiatização serve
para atrair uma grande massa de participantes. Uma massa que, muitas das vezes,
estava indo aos protestos pelo simples fato de ter, na concepção deles, se
tornado um evento a ser postado nas redes.
Um bom exemplo dessa prática nas
redes sociais foi a postagem de fotos de uma jovem, na final da Copa das
Confederações de 2013, em frente a um dos símbolos da repressão no estado do
Rio de Janeiro utilizados nas áreas proletárias: o “caveirão”. Diante não
unicamente de seu aspecto físico, mas pelos valores dos ingressos, podemos
deduzir que não se trata de integrante das classes populares, mas de uma cidadã
com uma forte visão conservadora dos problemas sociais, no momento que se
orgulha de posar sorridente para fotos, junto a este símbolo de uma parcela da
população que entende a repressão como solução dos problemas sociais.
Ou seja, a repressão e
eliminação dos pobres como legítima estratégia de manutenção de seus
privilégios de classe. E, não é à toa, a jovem foi eleita nas redes sociais
como “miss coxinha” 2013.6
No que diz respeito
ao black bloc, este merece uma rápida atenção. Esse grupo heterogêneo e
sem uma direção central, atua nas manifestações como grupo de ação. Mas ação de
quê? Qual o propósito?
A identidade oculta facilitou a
composição diversa do grupo em que não se pode definir a orientação ideológica.
Contudo, seus integrantes alegam ser anticapitalista e têm como tática a
destruição midiatizada de símbolos do capitalismo. E por isso atacam, também,
prédios e agentes da ordem do regime do capital, o que facilitou à grande mídia
caracterizá-los como “vândalos”. Podemos perceber que ocorreu o deslocamento
político dos significados das manifestações a partir do discurso midiático.
Como a identidade se mantém
oculta pela utilização de máscaras, isso propiciou a infiltração de elementos
provocadores das agências de segurança pública. Essa situação foi possível
porque, diante da inexistência de uma linha objetiva do que se pretende com as
ações de depredação, o simples ato de quebrar a propriedade e/ou o de atacar a
força policial emblematizava a identidade como sendo o black bloc.
Outra característica é que essas
ações midiáticas do(s) grupo(s) acabam se constituindo no direito individual de
protestar e da forma que cada um definir. Ou seja, se não se consegue
estabelecer as conexões políticas e teóricas que definem o conjunto de relações
e manifestações do poder, apenas exerce-se o direito de manifestar e da maneira
que se quer. Prevalece o direito individualista. E, nesse caso, o alvo é o
símbolo do poder que se encontra mais próximo.
Mas não cabe, nesse momento,
definir a serviço de quem ou de que força político-ideológica o black
bloc está. É preciso perceber que seus militantes são fruto de uma leitura de
mundo que se estabeleceu nos últimos vinte anos, cujos parâmetros ideológicos
se sustentam nas concepções da pós-modernidade, do neoliberalismo e da globalização.
Essa leitura fragmentada, relativizada e midiatizada de afirmação do
individualismo gerou, por um lado, tanto o “empreendedorismo político”
submetido às leis de mercado quanto, por outro, o black bloc.
Em relação a estes últimos, no
entanto, cabe uma ressalva. Suas ações de enfrentamento, ao invocarem uma
estética de prática política paradoxalmente diferenciada em relação ao
individualismo e ao competitivismo dominante nessa conjuntura, incentivaram o
entendimento de que é possível fazer frente ao aparato repressor do Estado.
Contraditoriamente, para
o black bloc, os partidos de esquerda e as demais forças políticas, que se
orientam a partir de metadiscursos, correspondem a concepções não sintonizadas
a esse cenário. Por essa característica, as lutas desses partidos têm de se
afirmar como luta contra-hegemônica. A insistência dessa estratégia somente
pode se constituir como política viável, se ultrapassar a estética da
midiatização que tomou conta das manifestações e recolocar o debate de projetos
societários, rompendo com a lógica do mercado, do individualismo e, por assim
dizer, do imediatismo.
Ao movimento sindical compete,
por sua vez, ressignificar a sua política de atuação a partir da contradição
capital/trabalho. Ou seja, retomar como orientação a luta de classes e,
portanto, romper com a lógica da judicialização do embate entre patrão e
empregado, sob o risco de perder por completo a sua capacidade de mobilização e
representatividade junto aos trabalhadores.
Quanto às classes populares, que
se encontram sob a hegemonia da visão de mundo da classe dos capitalistas,
estas permanecem distantes das manifestações. O motivo aparente nos encaminha a
dois aspectos: 1) que essas manifestações ainda não as tocaram em suas
demandas; 2) não se demonstram incapazes de romper com a prática do mandonismo.
Ambos têm mantido-as distante das ruas e da condição de se tornarem sujeito de
seu futuro.
Apesar das bandeiras relativas à
educação e à saúde pública, mais a da qualidade dos transportes, tudo isso não
foi capaz de sensibilizar boa parte das classes populares. Ou seja, a forte
repressão às manifestações e a força enunciativa da grande mídia têm agido como
importantes fatores de bloqueio à superação do senso comum reinante na
mentalidade dessas classes, mantendo-as afastadas dessas lutas.
Falta algo que possibilite que
essas classes populares criem condições de romper com a relação de mandonismo
que as subjugam. Uma ruptura que as coloquem na perspectiva de um novo projeto
de sociedade e que possam atuar como protagonistas e não meramente como
coadjuvantes ou plateias.
Para que o cenário das
manifestações se encaminhe para outra conjuntura em que se debata projeto de
sociedade, é necessário que as classes populares percam a desconfiança e se
assumam como sujeitos de seus destinos. Porém, não só isso basta. É
fundamental, para que esse movimento ocorra, que as classes médias, pelo menos
sua fração que se radicalizou diante de sua perda de prestígio junto ao bloco
de classes hegemônico, superem seus interesses corporativos e rompam suas
tradicionais alianças de classes e partam para a construção de um novo bloco de
classes visando a luta contra-hegemônica.
A permanência das mobilizações,
nesse sentido, atua como critério pedagógico para as classes e, como tal,
mantém sua potencialidade de disputa ideológica em que a direção política se
encontra em aberto. Na manutenção desse clima, vale dizer, o black bloc
tem tido papel relevante.
Como o cenário das duas últimas
décadas gerou a afirmação da pluralidade de caminhos fragmentados, torna-se
necessário a retomada de projetos societários. Essas leituras abandonaram a
perspectiva de rupturas, por isso, não resta outra alternativa senão a de
situar esse movimento na unidade dos campos políticos descontentes ou
contrários ao regime do capital.
A possibilidade, contudo, de
fracionar o atual bloco de alianças de classe hegemônico parte da luta
intraclasse média. Nessa perspectiva, a construção desse fracionamento implica
na aliança de sua parcela ligada ao aparelho burocrático, em especial sua
parcela intelectualizada e a ligada à área de saúde, com as classes populares.
Uma aliança que tem como foco a luta pelo controle popular das políticas
públicas através de fóruns de luta que as desloquem, portanto, da lógica
mercantil e as redirecione para o social.
A reorientação das práticas
dessas políticas é um dos caminhos. Com a ampliação e criação desses fóruns, há
a possibilidade do deslocamento da exclusividade de controle político das
agências do Estado e/ou de Organizações não Governamentais (ONG) para espaços
de pressão que permitam a ingerência e a formulação de estratégias ligadas às
demandas das classes populares e trabalhadoras. Esse movimento tende a
possibilitar maior participação da sociedade na definição das políticas
públicas.
Óbvio está que não há a
possibilidade da mudança de orientação política da intervenção do Estado sem
que se redefina o conjunto da aliança de classes hegemônica. A luta pelas
políticas públicas tende a ser, taticamente, uma ação possível, pois abrange
desde a educação, passando pela saúde, transporte e habitação, chegando à
segurança pública e, desse modo, questionando pedagogicamente o caráter de
classe do Estado. As bandeiras mobilizadoras das manifestações demonstram sua
potencialidade política. E, finalmente, essa estratégia abre espaço para a
efetiva, e não apenas discursiva, constituição de um do bloco de aliança de
classes de perfil popular hegemônico.
BIBLIOGRAFIA:
Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1988.
GALEANO, Eduardo. DE PERNAS PRO AR: a escola do
mundo ao avesso. Rio de Janeiro: LPM, 2009.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 10ª
Ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
GUIMARÃES, Alberto P. As classes perigosas:
banditismo urbano e rural. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.
LESSA, C. A estratégia de Desenvolvimento –
1974-1976: sonho e fracasso. Campinas: UNICAMP, 1998.
LUKÁCS, G. Prolegômenos para uma ontologia
do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível.
São Paulo: Boitempo, 2010.
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o boco histórico. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SANTOS, Milton et al. O Brasil: território e
sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2003.
______________. Por uma outra globalização:
do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
* Historiador e Doutor em Comunicação.
1 Para Gramsci, a hegemonia consiste
na primazia da sociedade civil sobre a sociedade política, cujo “aspecto essencial
da hegemonia da classe dirigente reside em seu monopólio intelectual, isto é:
na atração que seus próprios representantes suscitam nas demais camadas de
intelectuais: ‘Os intelectuais da classe historicamente (...) progressista, em
determinadas condições, exercem tal poder de atração que terminam, em última
análise, subordinando a si os intelectuais dos outros grupos sociais
(...)’”(PORTELLI. 1977. pp. 65-66).
2 Segundo Gramsci, o conceito de
revolução passiva corresponde ao processo de mudanças progressivas de forma a
alterar a composição das forças sociais na direção ético/moral da sociedade
(cf. Dicionário do pensamento marxista).
3 Utilizo aqui o entendimento de
ideologia proposto por Marx em que são “formas nas quais os seres humanos se
conscientizam desse conflito (isto é, daquele que emerge dos fundamentos do ser
social) e o combatem.” (LUKÁCS, 2010, p. 38).
4 Segundo Gramsci, o senso comum tem
como “(...) traço fundamental e mais característico é o de ser uma concepção
(...) desagregada, incoerente, inconsequente, adequada à posição social e
cultural das multidões, das quais ele é a filosofia” (GRAMSCI,
A. Concepção dialética da história. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995. p. 143).
5 Plano Nacional de Desenvolvimento
que traçou as linhas estratégicas para o desenvolvimento industrial nos dois
primeiros anos do governo do general Ernesto Geisel.
6 Coxinha é um termo que se
popularizou e tem como sinônimo: “mauricinho” e/ou “patricinha”. Significa
aquele indivíduo pertencente às classes com elevado padrão social e poder
aquisitivo.
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