Nessa entrevista, a professora Sara
Granemann, da Escola de Serviço Social da UFRJ, fala ao jornal da ADUFF
sobre as principais conseqüências da possível adesão dos hospitais
universitários federais à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH). Sara comenta, ainda, as movimentações do governo federal para
impor essa adesão e de como o ANDES-SN e outros movimentos têm se
mobilizado para resistir a esse novo ataque à Universidade pública.
Por Bruno Marinoni
1. O que significa para a sociedade perder a batalha contra a adesão dos Hospitais Universitários Federais (HUF) à EBSERH?
A transferência dos HUF das
universidades federais para uma empresa de direito privado possui
múltiplas conseqüências, todas elas socialmente nefastas. Vejamos: 1 –
do ponto de vista das universidades federais, significa mais um passo em
direção à sua destruição:
a) instituições de formação para o exercício
profissional, pesquisa e extensão significará que a lógica na qual o HUF
constituía a universidade estará rompida. A formação profissional, a
pesquisa, a extensão serão realizadas em uma instituição distinta e,
talvez, antagônica à universidade pública. Trata-se de uma empresa,
vocacionada e regida por uma lógica diversa daquela do ensino, da
produção do conhecimento e de sua aplicação. Na lei e nos vários
documentos já publicados pelo Estado brasileiro relativos à EBSERH,
expressa-se com clareza, e isto nos preocupa profundamente, a escolha da
lógica do lucro para comandar a empresa. Não nos é estranho que seja a
lógica do lucro o centro de uma “empresa estatal” de direito privado
ainda que possamos discordar desta opção: o que nos choca é a conversão
dos hospitais de ensino nisto!; b) democracia e autonomia
universitárias: com a lei da EBSERH podemos dizer que está em curso uma
intervenção sobre o funcionamento das universidades nunca antes vista em
tempos de vida democrática no país. Se a ditadura do grande capital
capturava o exercício da liberdade de modo aberto, o que temos com a
legislação normatizadora da empresa de direito privado é o
desconhecimento de todas as instâncias democráticas e autônomas da vida
acadêmica das universidades federais. Dito de modo claro: os Conselhos
Universitários estão “dispensados” do debate para a decisão da absorção
ou não dos HUF pela empresa. A vida acadêmico-universitária possui
instâncias decisórias que são solapadas na surdina porque para a
implantação da empresa o debate é, além de desnecessário, pernicioso:
pode impedir a realização da empresa de direito privado no âmbito dos
HUF.
A lógica que preside a vida
universitária nas universidades federais foi fortemente agredida com a
implantação do REUNI que para ser aprovado, não em poucas universidades,
usou a força policial contra docentes, discentes e servidores
técnico-administrativos. Naquele momento, os que lutamos contra o
projeto de universidade posto pelo REUNI, não poderíamos imaginar que os
governos petistas em aliança com reitorias/gestores de algumas
universidades fossem capazes de defender mais este grosseiro ataque à
autonomia e à democracia universitárias por viabilizarem – às vezes na
surdina – a separação e a transferência de uma importante fração das
universidades federais para uma empresa de direito privado. Viabilizam a
cada assinatura dos “Contratos de Gestão” a destruição da universidade
pública brasileira, neste ato pela transferência dos HUF para a EBSERH.
2 – do ponto de vista dos trabalhadores
dos HUF: para os trabalhadores que ajudaram a construir este excepcional
complexo hospitalar constituído por 46 (quarenta e seis) Hospitais
Universitários Federais significa uma profunda alteração na vocação
medular dos hospitais: a centralidade de suas atividades laborativas
orientavam-se pela prestação de atendimento à saúde aos usuários
trabalhadores em uma instituição de ensino e pesquisa que combinava a
realização de duas políticas sociais: a saúde e a educação em que a
prestação do atendimento aos trabalhadores usuários dos HUF
possibilitava o desenvolvimento da educação pela formação e pesquisa de
novos quadros técnicos para atuarem tanto na saúde como na educação. Com
a implementação da empresa de direito privado a centralidade do
trabalho é alterada: ao invés de atendimento aos trabalhadores pobres e
de formação qualificada da força de trabalho em saúde e educação,
teremos deslocada a centralidade do trabalho para o atendimento dos
lucros. Isto imporá aos trabalhadores novas formas de relação com seu
trabalho: os contratos passarão a ser regidos pela CLT, o produtivismo
ditará os ritmos do atendimento e, neste horizonte, as teorias de
humanização dos procedimentos hospitalares serão submetidos a medições
de tempos e quantidades típicas da fábrica fordista. Curioso aqui é
estabelecer um paralelo com aqueles que na universidade pública atacam a
greve por não ser um instrumento adequado às lutas dos docentes.
Esperamos, por coerência, que estes mesmos digam não aos projetos de
transformação dos HUF em “fábricas de conserto de humanos”. A lógica é
tão absurdamente empresarial que há nos documentos da EBSERH uma
preocupação com a forma de contratação dos docentes para o trabalho nas
subsidiárias da empresa de direito privado, os HUF. Correta a
preocupação posto que não pode ser fácil e comum a transferência de
professores para uma empresa. Nela terão que função os docentes? Com que
forma contratual? Certamente, aqui poder-se-á experimentar as
remunerações que assumem a denominação “Retribuição por Projeto” ou
outra qualquer, nas quais os ganhos da ativa não são incorporados às
aposentadorias e aos direitos do trabalhador docente e técnico.
3 – do ponto de vista dos
trabalhadores-usuários: os Hospitais Universitários Federais são hoje em
todas as regiões do país as instituições públicas mais desenvolvidas e
que possibilitam o acesso aos trabalhadores mais empobrecidos da
sociedade brasileira. Com os “Contratos de Gestão” que alteraram o
universo de “serviços” dos HUF, a assistência à saúde, gratuita aos
pobres, não desaparecerá: será incluída em uma escala de prioridades e
quantidades em cada instituição. A razão é que a empresa de direito
privado, como também prestará serviços para além dos presentes nas
políticas sociais, reduzirá a atenção aos usuários pobres porque também
disputará no mercado a prestação de serviços privados (dos convênios de
saúde às pesquisas para as transnacionais de medicamentos e equipamentos
hospitalares). Para ser bastante direta: os trabalhadores pobres deste
país terão reduzidas as suas possibilidades de serem tratados quando
adoecidos com os mais bem formados profissionais de maneira gratuita.
Serão os trabalhadores pobres mais uma vez preteridos nos bons serviços
de atendimento à saúde e à educação, mesmo que sejam os que sustentam
pelo seu trabalho e pelos impostos que recolhem ao Estado, os principais
contribuintes para a formação do fundo público que sustenta todas as
ações do Estado, inclusive os HUF e as universidades federais.
2. Em que patamar se encontra hoje a “queda de braço” entre Governo Federal e o movimento contrário à privatização da saúde?
O governo federal tem agido com muita
intransigência e com mão de ferro contra aqueles que se atrevem a lutar e
a contestá-lo em seu ambicioso projeto de contrarreforma do Estado, em
tudo coerente nos governos petistas de Luis Inácio Lula da Silva e o de
Dilma Rousseff ao que foi iniciado por Fernando Henrique Cardoso. O
patamar das lutas atuais foi animado e potencializado pelas greves no
interior das universidades federais e nos movimentos contrário às
diferentes formas de privatização reunido em fóruns e frentes pelo país.
Estes movimentos, simultaneamente, em defesa da educação o são
igualmente em defesa da saúde. Embora os ataques do capital e do seu
governo sejam fortes, de nosso lado, isto é, dos que defendem na
atualidade os direitos sociais presentes nas políticas sociais de
educação e saúde, há também bastante disposição em lutar contra estas
formas de privatização não-clássicas dos serviços públicos. Prova disto é
a campanha unitária levada às ruas no dia 3 de outubro pelo ANDES-SN e
por estes fóruns e frentes contra a privatização da saúde no Brasil todo
como forma de luta e protesto contra a implantação da EBSERH nos HUF.
3. Quais as estratégias que o
Governo Federal e os gestores das universidades estão utilizando para
tentar driblar a resistência à adesão à EBSERH?
As clássicas: o autoritarismo e
manipulação das informações, inclusive por firmarem compromissos
unilaterais – sem ouvir a universidade pública – com a transferência dos
HUF para a empresa de direito privado. Como o “Contrato de Gestão” com a
EBSERH pode ser realizado sem o debate nos conselhos superiores das
universidades, muitos gestores têm se “beneficiado” do silêncio para
decidirem os rumos das universidades públicas. O que impressiona é a
falta de espírito republicano com a “coisa pública” da parte destes
gestores porque, para muitos, a vida na universidade continuará e ela
será mais empobrecida e menos democrática e autônoma para todos,
inclusive para eles.
4. Podemos pensar em alguns “hospitais-chave” (que sejam mais estratégicos em meio a essa disputa)?
A mim me parece importante pensar os
quarenta e seis HUF como o maior complexo hospitalar – especializado em
procedimentos de alta complexidade – que com uma medida aparentemente
apenas burocrática muda de função e de natureza. Não é necessário ser um
especialista em cálculos patrimoniais para se ter claro o tamanho do
negócio que está em processo: a abertura de um generosíssimo espaço de
inversão de capitais para aqueles que possuem lucros e não encontram boa
oportunidade para aplicá-los. Os mal denominados “serviços” se
convertem nos dias que correm em ótimas oportunidades de investimentos
para os que souberem “empreender”. Com o Estado máximo para o capital
não surpreende que os HUF sejam convertidos em interessantes espaços
alternativos aos capitais em crise por governantes e gestores servis ao
seu projeto.
5. Qual a melhor maneira de o movimento de resistência à adesão à EBSERH se fortalecer diante da atual conjuntura?
Em primeiro lugar e de modo urgente, dar
continuidade e potencializar os processos de esclarecimento da
comunidade acadêmica sobre os prejuízos imensos constantes na
transferência dos HUF para a EBSERH. Em segundo, mas não menos
importante, solicitar o apoio dos trabalhadores organizados para que nos
ajudem a impedir a realização deste absurdo projeto que penalizará aos
trabalhadores, usuários e estudantes. Neste sentido, na UFF já ocorreu
uma importante experiência na qual os trabalhadores metalúrgicos
cumpriram um importante papel contra um destes ataques privatistas que
se queria implementar no Hospital Universitário Antonio Pedro. Reeditar
tais articulações reveste-se de enorme importância porque o ataque é
também gigantesco e atingirá todos os que precisam e lutam por saúde e
educação públicas de qualidade.
Fonte: Jornal da ADUFF
Fonte: Jornal da ADUFF
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